Armário
Dias chuvosos sempre me põe a pensar. O pensamento é a miséria humana. Maldita qualidade que nos dá consciência de nossa mediocridade. E, pior, nos deixa elocubrando acerca dos pecados do próximo. Foi o pensamento que me colocou nesta situação. Dentro de um armário, espionando minha própria esposa. Nunca pensei que chegaria a tal ato degradante.
Não posso ver a chuva de dentro do armário. Só escuto seu barulho. Forte, ritimado. O ruído só aumenta meu nervosísmo. Chovia também quando meu amigo me contou que a vira saindo deste prédio acompanhada por um homem. Perguntei-lhe quem era o homem, mas ele disse que não conseguira identificá-lo. Prestava atenção em Fernanda e viu o homem só de relance. Que merda. Quem poderia ser o desgraçado?
Nunca esperei isto dela. Qualquer coisa. Menos a traição. O suor começa a escorrer por minha testa e começo a achar o armário apertado. Quanto tempo terá se passado? Não consigo ver o relógio. Será que eles vão demorar? Quero sair daqui. Quanto mais demora mais dúvidas. Por que ela faria isso? Será que não a satisfaço? Talvez não o suficiente. Ela ainda me ama?
A aliança pesa em meu dedo. Lixo. Inútil. Tento tirá-la de meu dedo, sem sucesso. Acho que minha mão inchou com o calor. Está muito quente aqui dentro. Seco o suor da testa quando escuto um barulho na porta do quarto. É ela. Ela entra no quarto toda molhada. Ela está com o vestido cinza que lhe dei de aniversário. O tecido molhado marcando as formas de seu corpo. Corpo que fora só meu. Ela era linda. Será que eu ainda a amo? Depois disso?
Ela está sozinha. Sem acender a luz, entra no banheiro do quarto e pega uma toalha. Tira o vestido e começa a secar seu corpo. Outro barulho na porta. Era verdade, então. Havia outro. Ele entra no quarto e abraça-a por trás, beijando-lhe o pescoço. É um desconhecido para mim.
O que fazer? Sair do armário e enfrentá-los? Xingá-los? Bater nela? Matar ele? O que eu vim fazer aqui afinal? Não sei. Sei que não posso ficar olhando isso. Fecho os olhos e choro. Não derramo lágrimas para não fazer barulho, mas choro por dentro. Recollho-me à penumbra do armário e concentro-me no som da chuva lá fora. Ela está mais forte agora. O céu derrama as lágrimas que não posso. Chora pelo que não pude. E o armário não me parece mais tão pequeno.
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