lost thoughts

idéias perdidas em algum canto...

Thursday, September 22, 2005

Um dia

Ela não concordaria. Nunca. A conhecia melhor que ela mesma. Já tentara antes, mas as palavras sempre faltaram. Então ficava observando-a. Somente olhando para aquela que queria. Olhando porém disfarçando do olhar alheio o que lhe ia por dentro. Pensava se algum dia teria coragem. Pensava para que era necessário coragem se tantas vezes já vislumbrara aquela cena. Pensara que tinha medo. Medo do que? Medo de um não, medo da não retribuição, medo de perder o pouco que tinha a seu lado por querer mais.
Queria ter coragem. Apostar em que daria certo? Não. Deixar-se levar, não sem medo, mas sem esperanças ou expectativas. Simplesmente entregar-se. Abdicar da certeza comodista da hesitação e lançar-se para o terreno da incerteza. Querer mais, além do pouco que tinha? Mais do que isso. Querer apenas que ela soubesse. Nada mais.
Estava resoluto. Seria assim. Atiraria aos ventos a estabilidade da distância. Observava-a sob uma nova determinação. Levantaria. Aproximaria-se dela. O sangue correndo mais rápido. Um leve tremor nas mãos. Um pouco de suor. A respiração pesada. Ela vê que se aproxima. Olha-o nos olhos e sorri, como de costume. Ele desvia timidamente o olhar do dela. O abraço amigo. O beijo carinhoso no rosto. O cheiro do perfume. O toque da pele macia. Os lábios. Os lábios. Aquele sorriso permanente. Redentor. Ele abre a boca. Quer falar. Seus lábios hesitantes.
- O que foi? – pergunta a voz melodiosa, sedosa.
O que foi? Sua resolução subitamente abalada. A vontade fragmentada por um sorriso. E o medo, velho companheiro, apontava de leve. O que foi? Será que ela corresponderia? O sorriso que tanto amava permaneceria? Ela ainda o olharia nos olhos?
- Fala...
Falaria. O resquício de determinação ainda restava. Não sucumbira. E se ela dissesse que não? Falaria a verdade. E se ele tivesse entendido tudo errado? Não importa. Tinha que falar. E se...?
- Eu...eu estava com saudades...
Um sorriso. Um toque carinhoso no rosto. Era a verdade. Cada minuto longe dela representava longos períodos. Tinha saudade. Só se tem saudade de quem se ama. Um dia ela entenderia. Não estava preparado para ser privado daquele sorriso. Mesmo que isso fosse uma incerteza. Não estava preparado. Amava-a a cada olhar. A cada sorriso. Próximo mas a distância. Um dia ela entenderia.

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