Ecos
I.
NA SALA. Sentados um de frente para o outro.
ELA: Ainda ouço. Ele continua falando. Até quando continuarei ouvindo? Até quando ele continuará falando?
ELE: Ela ainda escuta. Será que presta atenção? Será que o que falo ainda faz algum sentido? Para ela? Para mim?
ELA: Ele sempre falou mais que eu. Mas será que algum dia me disse alguma coisa? Ou será que meus silêncios foram mais expressivos?
ELE: Se eu calar, o que restará? Apenas seus silêncios. O peso do silêncio. Muito maior que o de minhas palavras.
ELA: Nunca soube como dizer. O que falar. Sempre escutei. A voz dele. As palavras dele. E só. Os únicos sons que vem dele. Se ele calar, o que restará?
A chaleira chia na cozinha.
II.
NA COZINHA. Ela em pé, com a chaleira na mão, prepara o café. Ele sentado à mesa.
ELE: Nunca falou muito. Tudo fala por ela. E esses são seus sons. O chiar da chaleira no fogo. A água caindo sobre o pó. Sua respiração, tranqüila. Será que ela também me escuta assim? O beijo, os lábios úmidos e quentes. A pele que se arrepia ao toque.
ELA: Meu olhar fala. Meu corpo expressa. Será que ele ainda entende? Seu olhar alguma vez compreendeu o meu? E seu corpo? Alguma vez ouviu? Quando me toca, eu grito. E ele silencia.
III.
NO QUARTO. Ambos na cama.
ELA: Será que sempre nos entenderemos assim? Longe de todos os outros. Longe de tudo. Perdidos em nós mesmos. Será?
ELE: Agora é o momento em que silencio. Em que me abandono em sua polifonia. É o momento em que escuto, só, à sinfonia dela. É quando, penso, realmente entendemos um ao outro.
IV.
NA BANHEIRA. Ambos dentro d´água, de costas um para o outro.
ELE: Quando criança mergulhava a cabeça na água e gritava. Minha voz distorcida. Dizia muitas coisas. Frases enormes. Mas o que escutava eram coisas completamente diversas do que dizia. E ela? Escuta o que digo, ou o som que se propaga distorcido na água?
ELA: Quando criança mergulhava a cabeça na água. Segurava a respiração para não soltar nem uma bolhinha. O silêncio me deixava a sós comigo mesma. Às vezes é assim que me sinto. Submersa no silêncio, prendendo a respiração. Mas ele está ao meu lado.
V.
NA SALA DE JANTAR, á mesa. Eles comem.
ELA: Como por necessidade. Mas as refeições se tornam um hábito. Amo por necessidade. Será que um dia o farei por hábito?
ELE: Não gosto de ervilhas. Desde pequeno nunca gostei. Sempre me disseram que faziam bem para a saúde. Então comia. Quieto. Sempre dei muita importância ao que os outros me diziam. Será que os outros dão tal valor ao que digo?
ELA: Hábito. “Olá”. “Como vai?” “Tudo bem com você?” Falas decoradas e automáticas. O pouco que falo também falo por hábito. O muito que digo nem todos escutam. Para ele chega a ser mais que um hábito. Falar é um vício.
ELE: Tento calar. Mas o silêncio me desmancha. Deixa marcas como gotas corrosivas. No silêncio estou só. Abandonado até por mim mesmo. E a solidão me destrói.
VI.
NA CAMA. Deitados lado a lado.
ELA: Enfim estamos sós. Estou só.
ELE: Odeio ficar só. Sozinho, olhando para o teto. Para o vazio. Para o nada. Estou só.
ELA: Estou só. Estou bem. Por que fazemos tanta questão de estarmos com alguém?
ELE: Só. Não consigo. Preciso estar com alguém. Por que isso?
ELA: Sempre cercados de outros, de outras, de muitos. Sempre acompanhados. Por que, se somos sós?
ELE: Por que ficamos sós se podemos estar sempre cercados, ocupados, atarefados?
ELA: Nesta hora estou só. Agora. E penso o porquê?
ELE: Porque precisamos de ecos. É tudo o que queremos.
ELA: Ecos. Ecos de nós mesmos.